quarta-feira, 29 de agosto de 2018

As Diferentes abordagens em terapia de casal

Psicólogo e sexólogo Paulo Bonança. 

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Diferentes abordagens em terapia de casal: uma articulação possível?
Terezinha Feres-Carneiro1Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 
fonte: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X1994000200006

DEMANDA E INDICAÇÃO EM TERAPIA DE CASAL

O compromisso da terapia é com a promoção da saúde emocional dos membros do casal e não com a manutenção ou a ruptura do casamento. A rigidez e a estereotipia quase sempre caracterizam a patologia, enquanto a flexibilidade e a possibilidade de mudança apontam para a saúde. Em alguns casos, a mudança de um dos membros do casal em terapia, ou da interação conjugal, leva à ruptura do casamento. Em outros, é a rigidez e a impossibilidade de mudar que levam a tal ruptura.

A terapia de casal pode ser considerada como um caso particular de terapia familiar. As indicações de terapia de casal, para Lemaire (1982), estão sobretudo relacionadas a certos tipos de funcionamento conjugal onde as codificações tomaram-se mais complexas entre os cônjuges que, ou funcionam de um modo simbiótico ou fusionai, ou, ao contrário, defendem-se intensamente de tudo que poderia ser uma ameaça de funcionamento simbiótico ou fusional. É o que leva certas pessoas a brigarem e a ficarem agressivas a partir do momento em que experimentam ternura ou desejo de felicidade fusionai ou regressiva. Para estas pessoas aparentemente tão "individualizadas", trata-se de formações reativas muito marcadas.
Neuburger (1988), ao discurtir a questão da especificidade da abordagem terapêutica - individual, familiar ou de casal ressalta que não se pode falar de tal especificidade, sem se falar de especificidade da demanda. Para ele, a demanda é constituída de elementos entre os quais figuram o sofrimento, o sintoma e a queixa. Na clínica de casais constata-se um sofrimento referido especificamente ao casal, sintomas conjugais e uma queixa centrada nos problemas do casal.

Lemaire (1987) mostra como a escolha entre terapia individual e terapia de casal não é sempre evidente. Há os que demandam terapia de casal para escapar a um questionamento pessoal, individual e, neste caso, o terapeuta deve encaminhálos a terapias individuais. Mas, inversamente, muitos terapeutas desconhecem ainda o caminho clínico que a terapia de casal pode abrir para o tratamento de pessoas mal individualizadas. Diante das disfunções individuais, que estão relacionadas a um clima simbiótico entre os cônjuges, os terapeutas, muitas vezes, indicam terapias individuais como solução para este problema. Isto significa compreender mal o sentido da colusão inconsciente que presidiu à fundação do casal. Por isto, muitas das terapias individuais são interrompidas prematuramente.

Muitas vezes, é apenas no casal que alguns sujeitos podem metabolisar um certo número de suas tendências arcaicas e regressivas, que ficariam sem vir à tona, podendo se exprimir apenas de maneira patológica ou associai. Diante do casal, o clínico tem um acesso privilegiado a uma mobilização psíquica individual, que ficaria inacessível.
Para Eiguer (1984), a terapia de casal representa, muitas vezes, uma demanda de um segundo e último ritual de casamento. Assim, o terapeuta de casal estaria colocado, pelos cônjuges, mais perto da lei do que do desejo. Para este autor, os problemas conjugais estão situados em relação aos dois universos pessoais dos parceiros, à parte que não quer admitir a especificidade da outra. Seria um combate entre dois narcisismos individuais.
Willi (1978) ressalta que o resultado mais importante da terapia de casal é o conhecimento da temática fundamental do conflito colusivo vivido pelos cônjuges. Os parceiros, antes, em suas posições polarizadas, acreditam que não tinham nada em comum. A terapia vai mostrar que, com seus problemas, estão no mesmo barco. O que antes consideravam que os separava é agora o que os une. O objetivo é não tornar os temas fundamentais colusivos ineficazes, mas levar o casal a um equilíbrio livre e flexível. São as posturas extremas rígidas, nas quais os cônjuges se fixam, que tornam a relação menos saudável. Se vividos com flexibilidade, os temas da colusão se convertem em enriquecimento recíproco.

Em Féres-Carneiro (1980), ressaltamos a relação entre sintomas apresentados por crianças e dificuldades existentes nas relações estabelecidas pelos seus pais, sobretudo enquanto casais. Para propiciar um clima familiar adequado ao desenvolvimento sadio das crianças é preciso que os pais funcionem como o modelo de uma relação homem-mulher gratificante.

Neste estudo, relatamos nossa experiência clínica no tratamento de oito casais de classe média, durante um período de dois anos. O tempo médio de atendimento foi de oito meses, variando entre três meses no mínimo e 1 ano e 8 meses no máximo. Cada casal foi atendido em sessões de uma hora de duração. Seis casais tiveram duas sessões semanais e dois casais apenas uma sessão por semana. A análise dos dados clínicos obtidos através do tratamento dos oito casais mostra que embora cinco deles tenham vindo ao consultório buscar ajuda para seus filhos, que estavam com problemas de comportamento, tais problemas eram uma conseqüência das perturbações e dos conflitos existentes na relação do casal. Em apenas dois dos casos, os filhos precisaram ser vistos em sessões de avaliação familiar; e, em apenas um caso, um filho precisou ser posteriormente encaminhado para psicoterapia. O trabalho realizado nos deixa concluir que na maioria das vezes os distúrbios de comportamento apresentados pelas crianças encontram suas raízes na relação dos pais e que, quase sempre, é suficiente uma intervenção ao nível do casal para que haja uma remissão de grande parte dos sintomas apresentados pelos filhos.


ABORDAGENS SISTÊMICAS OU COMUNICACIONAIS EM TERAPIA DE CASAL


Diferentemente da teoria psicanalítica, que teve suas raízes no início deste século, as teorias que influenciaram as formulações teóricas dos autores das escolas sistêmicas em terapia de família e de casal desenvolveram-se na segunda metade do século. Em 1948, Wiener publicou o livro Cybernetics e, na década seguinte várias ciências começam a enfatizar os sistemas homeostáticos com processos de retroalimentação (mecanismos de feedback) que tornam os sistemas auto-corretivos. No início da década de 50, Bertalanffy (Bertalanffy, 1973) desenvolve a Teoria Geral dos Sistemas que, juntamente com a Cibernética e a Teoria da Comunicação, muito influenciaram os desenvolvimentos teórico-técnicos da terapia sistêmica de família e de casal.

Os sistemas interacionais são conceituados como dois ou mais comunicantes no processo de definição da natureza de suas relações (Féres-Carneiro, 1983). O sistema familiar e o sistema conjugal são vistos como um circuito de feedback negativo, constantemente regulado, na medida em que tendem a preservar seus padrões establecidos de interação, buscando sempre um equilíbrio, que é mantido pelas regras de interação familiar ou conjugal.

Os axiomas básicos da teoria da comunicação são apresentados por Watzlawick et al. (1973), que discutem os efeitos comportamentais da comunicação humana. Para estes autores, todo comportamento numa situação interacional tem valor de mensagem, ou seja, é comunicação. 

Outro axioma importante é o de que qualquer comunicação implica um envolvimento e, como conseqüência, define a relação. Para Bateson et al. (1956), essas duas operações constituem, respectivamente, os níveis de relato e de ordem presentes em qualquer comunicação. Quando estes dois níveis se contradizem, temos um paradoxo. Bateson e o grupo que com ele trabalhava no Hospital de Veteranos de Palo Alto, numa pesquisa sobre comunicação e esquizofrenia, desenvolvem o conceito de duplo vínculo, ou seja, um padrão comunicacional repetitivo presente com freqüência significativa nas famílias com pacientes esquizofrênicos. Os estudos de Bateson (1935) deram origem à caracterização da comunicação por Watzlawick et al. (1973) como simétrica ou complementar, a partir de relações baseadas na igualdade ou na diferenciação. Tanto os comportamentos complementares como os simétricos podem ser apropriados, dependendo do contexto em que se colocam. O problema surge quando uma relação, se cristaliza numa destas classes, tornando-se rigidamente simétrica ou complementar.

A família e o casal são vistos como sistemas equilibrados e o que mantém este equilíbrio são as regras do funcionamento familiar e conjugal. Quando, por algum motivo, estas regras são quebradas, entram em ação meta-regras para restabelecer o equilíbrio perdido.
A terapia desenvolvida a partir deste enfoque enfatiza a mudança no sistema familiar e conjugal pela reorganização da comunicação entre os membros. Não se trata de trazer conteúdos reprimidos à consciência. O passado é abandonado como questão central pois o foco de atenção é o modo de comunicação das pessoas no momento atual.


Os terapeutas comunicacionais se abstêm de fazer interpretações na medida em que assumem que novas experiências - no sentido de um novo comportamento que provoque modificação no sistema familiar ou conjugal - é que geram mudanças. Neste sentido, são usadas prescrições nas sessões terapêuticas para mudar os padrões de comunicação e prescrições fora das sessões com o objetivo de encorajar uma gama mais ampla de comportamentos comunicacionais no sistema familiar e conjugal. Há uma concentração no problema presente e o comportamento sintomático é visto como uma resposta adequada ao comportamento comunicativo que o provocou.

Nas abordagens sistêmicas destacaremos a escola estratégica de Jay Haley e a escola estrutural de Salvador Minuchin.



ESCOLA ESTRATÉGICA

Para Haley (1979), o que caracteriza o sistema familiar e o sistema conjugal é a luta pelo poder. O termo "estratégico" é utilizado por ele para descrever qualquer terapia em que o terapeuta realiza ativamente intervenções para resolver o problema. Para que uma terapia seja bem sucedida é preciso que comece adequadamente. Isto é, através da negociação de um problema solucionavel e da descoberta da situação social e familiar que o mantém.
Ao discutir o conceito de "diretivas terapêuticas", Haley (1973) fala da influência que sofreu do trabalho de Milton Erickson. As diretivas ou tarefas propostas à família ou ao casal têm, em primeiro lugar, o objetivo de fazer com que as pessoas se comportem diferentemente e, como resultado, tenham experiências subjetivas diferentes. Em segundo lugar, as diretivas são usadas para intensificar o relacionamento com o terapeuta. E, finalmente, têm o objetivo de obter informações sobre os pacientes e sobre como responderão às mudanças desejadas.

A escola estratégica é também identificada com o trabalho de Weakland, Fish, Watzlawick e Bodin que, em 1974, publicaram o artigo Brief therapy: focused problem resolution, onde apresentam as idéias fundamentais de seu trabalho, isto é, focalizam interações comportamentais observáveis no presente e intervêem deliberadamente para alterar o sistema em andamento. Para estes autores, a brevidade não é uma meta em si, embora traga vantagens práticas e econômicas; mas o que postulam é que estabelecer limites de tempo no tratamento tem influência positiva tanto no terapeuta como no paciente.

Os teóricos da escola estratégica apresentam alguns princípios fundamentais do seu trabalho terapêutico: 1) a orientação franca para o sintoma; 2) a visão dos problemas como dificuldades de interação; 3) a visão dos problemas como uma super-ênfase ou uma sub-ênfase nas dificuldades do viver cotidiano; 4) a busca de resolução dos problemas através da substituição dos padrões de comportamento; 5) a utilização de meios que podem parecer ilógicos para promover mudanças; 6) o "pensar pequeno" focalizando o sintoma; 7) a adoção de uma abordagem pragmática na terapia: abordam-se as interações e os porquês são evitados.



ESCOLA ESTRUTURAL

O principal teórico da escola estrutural é Salvador Minuchin para quem a família é um sistema e o casal um sub-sistema que se definem em função dos limites de uma organização hierárquica. O sistema familiar diferencia-se e executa suas funções através de seus sub-sistemas.
As fronteiras de um sub-sistema são as regras que definem quem participa e como participa de cada sub-sistema, e para que o funcionamento da família seja adequado, elas devem ser nítidas. Em algumas famílias tais fronteiras são muito rígidas e em outras muito difusas. Estes dois extremos de funcionamento das fronteiras são classificados respectivamente como "desligado" e como "aglutinado" e indicam áreas de possíveis patologias (Féres-Carneiro, 1983).

A terapia estrutural de família é definida por Minuchin (1982) como sendo uma terapia de ação para modificar o presente e não para explorar ou interpretar o passado. O objetivo da intervenção do terapeuta é o sistema familiar ao qual ele se une, utilizando-se a si mesmo para transformá-lo. Mudando a posição dos membros da família ou do casal no sistema, o terapeuta modifica as exigências subjetivas de cada membro.
Para Minuchin, a transformação do sistema familiar ou do sistema conjugal inclui três passos importantes: o terapeuta deve unir-se à família ou ao casal, desempenhando o papel de líder; deve descobrir e avaliar a estrutura familiar ou conjugal; e deve criar circunstâncias que permitam a transformação desta estrutura. Neste processo de reestruturação, o terapeuta então age tanto como "diretor" quanto como "ator" no drama familiar. Como "diretor", ele cria cenários, coreografias, dá realce a temas e leva os membros da família ou do casal a improvisarem; como "ator", ele atua promovendo alianças e coalizões, criando, fortalecendo ou enfraquecendo fronteiras, sempre tentando colocar desafios aos quais os membros da família ou do casal devem se "acomodar" para, com isto, "descristalizar" padrões transacionais desadaptativos.

As mudanças terapêuticas na escola estrutural são provocadas pelas chamadas operações reestruturadoras. Mmuchin (1982) descreve as seguintes operações de reestruturação: 1) efetivação de padrões transacionais; 2) delimitação de fronteiras; 3) escalonamento de estresse; 4) distribuição de tarefas; 5) utilização dos sintomas; 6) manipulação do humor; 7) apoio ou orientação.


ABORDAGENS PSICANALÍTICAS OU PSICODINÂMICAS EM TERAPIA DE CASAL


Nas abordagens psicanalíticas ou psicodinâmicas das terapias de família e de casal há uma ênfase no passado, na história, tanto como causa de um sintoma quanto como meio de modificá-lo. Para os teóricos destas abordagens, os sintomas apresentados pelos membros da família ou do casal são decorrências de experiências passadas que foram reprimidas fora da consciência. Na maior parte das vezes, portanto, o método terapêutico utilizado é o interpretativo e os tratamentos são de mais longa duração.
Diferentes autores podem ser agrupados nas escolas psicanalíticas ou psicodinâmicas em terapia familiar e de casal. Destacaremos as propostas de Lily Pincus e Christopher Daré e de Alberto Eiguer e André Ruffiot.

O CONTRA TO SECRETO DO CASAMENTO: PINCUS E DARE
Pincus e Dare (1981) baseiam seu estudo sobre o casamento em princípios gerais que são maneiras de encarar qualquer relacionamento. O primeiro deles é de que as motivações que levam as pessoas ao casamento, sustentam suas perturbações e lhes dão qualidades particulares são, em grande parte, inconscientes. Tais motivações podem ser mantidas fora da consciência de modo que sua existência seja percebida somente indiretamente. Portanto, para estes autores, raramente é possível saber, questionando diretamente, qualquer razão convincente do porquê da escolha do parceiro, ou qual a natureza do casamento.

Os processos de projeção que ocorrem em todo tipo de relacionamento são especialmente poderosos nas relações que têm laços emocionais mais fortes. O casamento oferece, portanto, um campo particularmente fértil aos mecanismos projetivos. Na escolha original do parceiro, a projeção joga um papel muito importante na medida em que um se encontra apto e desejoso de aceitar e atuar, pelo menos em parte, algo daquilo que o outro necessita projetar nele.

Tais escolhas podem ter aspectos profundamente terapêuticos se cada um dos parceiros conseguir constatar no outro aqueles aspectos de si mesmo que não conseguiu desenvolver. O uso da projeção no casamento não é apenas uma tentativa de livrar-se de sentimentos indesejados ou de alguns aspectos do self. Por que agora são vividos pela pessoa amada, tais sentimentos podem perder um pouco da ansiedade que costumavam produzir e, com o tempo, podem até parecer aceitáveis para retornar ao self As vezes, sentimentos ou aspectos do selfpodem ser aceitos no parceiro mas não podem ser expressados diretamente pelo sujeito.

Por outro lado, a mesma dinâmica que levou à escolha original, na tentativa de resolver ansiedades, pode conduzir o casal a um círculo vicioso: o parceiro que projetou aspectos temerosos de si mesmo no outro pode dissociar-se, cada vez mais, forçando assim o outro a expressá-los de maneira exacerbada e o resultado é um aumento de ansiedade para ambos.

O segundo princípio que norteia a abordagem de Pincus e Dare, tanto no casamento como nas relações humanas em geral, é que nos relacionamentos duradouros, considerados importantes pelos participantes, há geralmente uma complementariedade das necessidades, anseios e medos que fazem parte da vida a dois. Este princípio é baseado no primeiro na medida em que deixa claro que o acordo que mantém a complementariedade é inconsciente e, geralmente, implica também o uso da projeção.

O terceiro princípio que norteia a abordagem destes autores sobre a relação conjugal, é o de que muitos dos anseios e medos inconscientes que fazem parte do "contrato secreto" do casamento provêm, principalmente, dos relacionamentos da infância. Isto significa que todas as pessoas tendem a padrões repetitivos de relacionamento, que são motivados pela persistência dos desejos numa forma de fantasia inconsciente e derivados da forma como as primeiras necessidades foram satisfeitas. No casamento, muitas vezes, o aspecto repetitivo da seqüência da escolha é literal, como por exemplo, quando uma mulher cuja infância foi prejudicada por um pai alcoólatra acaba casando-se com um alcoólatra, divorcia-se dele e novamente repete a situação.

O quarto e último princípio, descrito por estes autores, é o de que estes padrões repetitivos de relacionamento são sobretudo derivados da época em que a criança se dá conta da intensidade dos seus anseios em relação aos pais, ao mesmo tempo em que reconhece que estes formam um casal do qual ela é excluída, ou seja, da vivência do Complexo de Édipo.

A abordagem terapêutica com casais proposta por estes autores leva em conta, ao longo de todo o processo terapêutico, o resgate da histórica de cada cônjuge e da história da relação conjugal norteada pela consideração dos quatro princípios acima descritos.

TERAPIA PSICANALÍTICA DE CASAIS: RUFFIOT E EIGUER

André Ruffiot e Alberto Eiguer são os principais representantes da abordagem psicanalítica de família e de casal também chamada de abordagem grupalista. Os desenvolvimentos teóricos propostos por Bion (1965). Anzieu (1975) e Kaês (1976) para os grupos terapêuticos são aplicados pelos grupalistas à clínica do grupo familiar e do grupo conjugal, considerando que o funcionamento psíquico inconsciente destes grupos apresenta peculiaridades que os distingue do funcionamento do indivíduo.

Para os grupalistas, o casal é concebido como uma estrutura com características próprias e interações peculiares sem desconsiderar as particularidades dos indivíduos que o compõem. Se, por um lado, o cônjuge funciona como um suporte real para o objeto interno e nele são depositados os aspectos narcísicos do sujeito, por outro, ele não é um objeto passivo e seu funcionamento tem conseqüências na relação.
Ruffiot (1981) postula o conceito de aparelho psíquico familiar que se edifica na zona psíquica obscura, indiferenciada, dos diferentes membros do grupo familiar e ressalta que a terapia familiar psicanalítica trata tal aparelho e não os psiquismos individuais.
Eiguer (1984) identifica três organizadores da vida conjugal inconsciente: a escolha de objeto no momento da instalação da relação amorosa, o eu conjugal e os fantasmas partilhados pelos membros do casal.

O primeiro organizador, a escolha do parceiro, é articulado ao complexo de Édipo de cada cônjuge e tem um valor semelhante ao das formações de compromisso insconsciente, como o sintoma ou o lapso. Possui, portanto, uma função defensiva e contribui para a economia libidinal.

O segundo organizador, o eu conjugal, é formado pela consonância dos vínculos narcísicos e compostos por representações compartilhadas pelos cônjuges que levam a um ideal de ego conjunto. Ele é responsável pelo sentimento de pertencimento, pela formação de uma "pele conjunta"na expressão criada por Anzieu (1975).

O terceiro organizador, a interfantasmatização, é definido como o ponto de encontro dos fantasmas individuais, próximos por seu conteúdo, que organizam os vínculos libidinais e os vínculos narcísicos do casal.

A proposta da terapia psicanalítica de casal é a de tratar conjuntamente os dois parceiros, como um todo, através da relação transferencial. Neste trabalho Ruffiot (1981) privilegia as produções imaginárias informando a família ou o casal, desde o início do processo terapêutico, da importância de relatar seus sonhos nas sessões com o objetivo de tornar conscientes os vínculos que os unem e de retomar a interfantasmatização psíquica. Desde a primeira entrevista também é enunciada a regra da associação livre que aciona mecanismos regressivos permitindo perceber o funcionamento do aparelho psíquico do grupo familiar ou conjugal.

A terapia psicanalítica de casal tem, portanto, como objeto de trabalho o inconsciente conjugal, mundo fantasmático compartilhado, assim como afetos, tensões e defesas comuns. Um de seus principais objetivos é a percepção das forças inconscientes que originaram a relação, provocaram a escolha amorosa e contribuíram para os atuais conflitos do casal. O trabalho clínico pretende, a partir daí, restabelecer a circulação fantasmática e instaurar um novo equilíbrio entre os vínculos narcísicos e objetais. É também proposta da terapia reduzir as identificações projetivas, transformando não ditos em palavras, e restituindo a cada cônjuge o que fora depositado no outro, para que a relação deixe de ser, assim, um sintoma das patologias individuais.


A ARTICULAÇÃO DE DIFERENTES ABORDAGENS

Em Féres-Carneiro (1991), ressaltamos que a dicotomia que divide o campo das terapias de família e de casal - o modo de pensar sistêmico e o modo de pensar psicanalítico - é, às vezes, tomada rigidamente por alguns autores considerados puristas de cada uma destas abordagens e que tal rigidez, ao invés de avançar a produção teórica na área e os desenvolvimentos técnicos decorrentes desta produção, acaba por criar impasses teórico-técnicos a partir de uma polêmica que pode ser, muitas vezes, considerada falsa.
Após 23 anos de trabalho clínico e de pesquisa com famílias e casais, marcados, em alguns momentos, por influências predominantemente sistêmicas e, em outros, por influências predominantemente psicanalíticas, temos buscado, nos últimos anos, refletir sobre a possibilidade de articulação, tanto ao nível teórico quanto ao nível prático, das contribuições destes enfoques.

Como vimos anteriormente, podemos distinguir na terapia familiar e de casal dois grandes enfoques: o interacional sistêmico e o grupalista analítico. Alguns terapeutas propõem um trabalho numa abordagem sistêmica pura, como Haley (1979), enquanto outros pretendem trabalhar numa abordagem psicanalítica sem nenhum suporte sistêmico, como Ruffiot (1981) e Eiguer (1984). Há, entretanto, autores que tentam fazer uma síntese destas duas abordagens, no trabalho com famílias e casais, como Lemaire (1982,1984) e Nicollóp(2).

É nesta possibilidade de síntese, de articulação dos dois enfoques, que estamos sobretudo interessados. Às vezes, falta a algumas abordagens psicanalíticas conceber a família como uma unidade sistêmica indivisível. A terapia familiar e de casal não é a terapia dos indivíduos que compõem a família ou o casal, nem tampouco a terapia do indivíduo em presença da família ou do casal. É essencial estudar a articulação entre o indivíduo e seu grupo familiar e conjugal levando em conta as descobertas mais significativas das abordagens sistêmicas sem se tornar prisioneiro das teorias.

Na perspectiva sistêmica, há uma preocupação com o comportamento e a busca de modificá-lo, o que leva a uma desatenção em relação aos processos psíquicos subjacentes, enquanto na perspectiva psicanalítica há uma preocupação em expressar os desejos inconscientes que estão na origem da disfunção familiar e conjugal.
Mas estas duas concepções teóricas - e as práticas delas decorrentes - são obrigadas, uma e outra, a partir da constatação de que o grupo familiar ou o seu subgrupo fundador - o casal - são grupos organizados, auto-regulados, com uma linguagem própria, regras próprias de funcionamento e mitos próprios.
Nicolló fala de um "rigor elástico", quer dizer, de uma atitude que requer nas disciplinas psicológicas, a intuição, a subjetividade do observador que são insubstituíveis para o conhecimento, quando discute a possibilidade de articulação dos dois enfoques em terapia familiar e de casal.

Lemaire (1984) ressalta a necessidade de uma tríplice chave de leitura, no trabalho com família e casal, que passa pelo intra-psíquico, pelo sistêmicointeracional e pelo social. Para ele, o fato, por exemplo, de o terapeuta conjugal compreender psicanaliticamente os fenômenos inconscientes das identificações projetivas, que estão na base da colusão narcísica do casal, não deve impossibilitálo de lançar mão de desenvolvimento teórico-técnicos das teorias sistêmicas. 
Ele pode, ao mesmo, tempo trabalhar sobre a comunicação, as expressões paradoxais, os duplo-vínculos etc, sem estar impedido de levar em conta processos arcaicos inconscientes que estão em jogo desde o estabelecimento da relação amorosa.

Dependendo do tipo de demanda familiar e conjugal, pode-se escolher um referencial de compreensão mais sistêmico ou mais psicanalítico. É importante escolher um quadro de pensamento mas este não deve ser rígido. A visão sistêmica e a visão psicanalítica não se excluem mutuamente.

Não se trata de afirmar que um modelo é melhor que o outro ou que um grupo detém a solução, mas de poder atender a esta ou aquela família, a este ou aquele casal, na abordagem terapêutica que melhor se adapte ao seu estilo e à sua estrutura psicológica.

Terezinha Feres-Carneiro1
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
fonte: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X1994000200006

Referências Bibliográficas
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Bateson, G. (1935). Culture contact and schismogenesis. Man, 35, 178-183.
Bateson, G.; Jackson, D.; Haley, J. e Weakland, J. (1956). Toward a theory of schizophrenia. Behavioral Science, 1, 251-264.
Bertalanffy, L. V. (1973). Teoria Geral dos Sistemas. Rio de Janeiro: Vozes.
Bion, W. R. (1965). Recherches sur les Petits groupes et autres articles. Paris: PUF.
Eiguer, A. (1984). la Thérapie Psychanalitique de Couple. Paris: Dunod.
Féres-Carneiro, T. (1980). Psicoterapia de casal: a relação conjugal e suas representações no comportamento dos filhos. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 32 (4), 51-61.
Féres-Carneiro, T. (1983). Família: Diagnóstico e Terapia. Rio de Janeiro: Zahar.
Féres-Carneiro, T. (1991). Terapia familiar: considerações sobre possibilidade de articular diferentes enfoques.Nova Perspectiva Sistêmica, 19-21.
Haley, J. (1973). Uncommon Therapy: the Psychiatric Techniques of Milton Erickson. New York: Norton.
Haley, J. (1979). Psicoterapia Familiar. Belo Horizonte: Interlivros.
Kaës, R. (1976). L'Appareil Psycho-Group al. Paris: Dunod.
Lemaire, J. (1982). Thérapie familiale et thérapie de couple: convergences et divergences. Dialogue: recherches cliniques et sociologiques sur le couple et la famille, 75, 29-40.
Lemaire, J. (1987). Thérapie de couple et post-modernité. Dialogue: recherches cliniques et sociologiques sur le couple et la famille, 95, 3-15.
Menuchin, S. (1982). Famílias: Funcionamento e Tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas.
Neuburger, R. (1988). L'Irrationnel dans le Couple et la Famille. Paris: ESF.
Pincus, L. e Dare, C. (1981). Psicodinâmica da Família. Porto Alegre: Artes Médicas.
Ruffiot, A. (1981). La Thérapie Familiale Psychanalitique. Paris: Dunod.
Watzlawick, P.; Beavin, J. H.; Jackson, D. (1973). Pragmática da Condição Humana. Rio de Janeiro: Cultrix.
Weakland, J. H e Fish, R.; Watzlawick, P. e Bodin, A. (1974). Brief therapy foccused problem resolution. Family Process, 113 141-168.
Wiener, N. (1948). Cybernetics. New York: Wiley.
Willi, J. (1978). La Pareja Humana: Relación y Conflicto. Madrid: Ediciones Morata.


(1) Depto de Psicologia. Endereço para correspondência: Rua Gal. Góes Monteiro, 8 - bloco D - apto. 2403 22290-080 - Rio de Janeiro - RJ
(2) Nicollô, A. M. (1988). Soigner à l'Intérieur de l'Autre: Notes sur la Dynamique entre l'Individu et la Famille. Roma: Mimeo.

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